saojosecorreiafas @ 21:47

Qui, 01/05/08

 

Passou a maior parte do seu percurso profissional no teatro...

Comecei por ter Teatro como opção no 9º ano. Estudava no Pragal e a minha professora era a Luísa Cruz. Quando não consegui ir para o Conservatório comecei a trabalhar na Companhia de Teatro de Almada, depois de Ter feito lá o Curso de Formação de Actores. Tinha 16, 17 anos. Enquanto estudava à noite, comecei a fazer os espectáculos infantis. Fiz cinco peças, quatro com a Teresa Gafeira e uma com o Milan Vokotic.

Já pensava ser actriz quando era pequena?

Eu queria seguir Direito, mas era muito tímida, por isso fui para Teatro. Ficava sempre muito nervosa quando tinha de falar para mais de duas, três pessoas, e achava que o teatro seria bom para me ajudar a descontrair. Um dia a Luísa Cruz, no fim de uma aula, perguntou-me o que é que eu queria ser. Queria ser advogada, porque gostava de falar e queria ser rica. Respondeu-me que estava completamente errada e que devia ser actriz. E aquilo ficou-me na cabeça.

Na sua família não havia ninguém ligado a esta área?

Não. Mas acho que a minha mãe, se tivesse vivido noutra altura, noutras circunstâncias, teria sido uma excelente actriz. A minha mãe interpreta as conversas, e isso tem muito a ver com o trabalho de actor. A contar histórias é uma coisa hilariante, toma sempre como ponto de partida o humor, a caricatura.

Nasceu onde?

A minha família é toda madeirense, mas eu nasci em Lisboa, no dia 13 de Setembro de 1974. Passei a infância em Almada e durante dois anos vivi na ilha da Madeira, porque os meus pais voltaram para lá.

Como foi a sua infância?

Atribulada, divertida. Somos três raparigas e um rapaz, e eu sou a mais nova. Lembro-me das discussões com a minha mãe por querer andar descalça como as outras crianças, que só se calçavam ao Domingo para ir à missa. Quando saía de casa tirava os sapatos, mas não conseguia andar como elas. Faziam tudo sem sapatos, corriam, saltavam, e eu sofria imenso para fazer o mesmo. Na altura brincávamos muito no adro da igreja, que era de seixos redondos, e só de andar ali, mesmo devagarinho, já me doíam os pés [risos]. Quando voltava para casa, calçava-me. Ainda hoje gosto de andar descalça e a minha mãe continua a dizer-me ‘Sãozinha, não andes descalça que te vais magoar...’[risos]

De onde vem o nome São José?

A minha mãe queria chamar-me Conceição para me chamar São, mas o meu pai queria que eu me chamasse Maria José como a minha mãe. Ele acabou por me registar como Maria José, mas sempre me chamaram São. Só na escola é que me chamavam Maria José. Então ficou São José.

Fez teatro para crianças. É um público difícil?

É a minha escola, praticamente. É um público mais exigente, mais sincero, e por isso é mais fácil perceber se estão ou não a gostar. É preciso conseguir convencê-las. Houve um espectáculo em que eu fazia as duas irmãs da Bela [‘A Bela e o Monstro’], uma era eu e a outra, uma boneca que estava no meu braço e eu segurava. Eu falava pelas duas, uma com voz mais grave e outra num tom mais agudo. No primeiro ano tenho perfeita consciência de que o fazia mal, porque havia uma cena em que tinha um diálogo comigo e as crianças nunca ouviam o que eu dizia, porque não estavam a acreditar. Quando saía de cena, os miúdos calavam-se para ouvir a Bela. Passado um ano, percebi que já fazia bem, porque entrava e os miúdos ficavam calados para me ouvirem. Quando passei esse teste percebi que já estava preparada para fazer aquele espectáculo. Foi a minha grande escola. Claro que também aprendi com os meus colegas, os encenadores, o curso que fiz, o que li, mas as crianças são o público que mais me ensinou, porque não seguem os nossos parâmetros. Com elas não há elogios baratos, não há tretas. Se acreditam, ouvem, se não acreditam, não ouvem, e isso dá-nos uma excelente noção do trabalho que estamos a fazer.

O facto de ter sido no início ajudou-a?

Foi mais duro. Para quem está a começar é difícil. Um ano a fazer espectáculos sem as crianças ouvirem deu-me grandes angústias, porque é duro saber que se vai entrar em cena a zero... Mas depois disso aguenta-se tudo. Foi bom ter sido naquela altura. Não sei se hoje faria espectáculos infantis, porque íamos em digressão. Isso fez sentido no início da minha vida profissional. Mas gostava de voltar aos espectáculos de marionetas.

Porquê?

Fiz um com o Milan Vokotic, que é jugoslavo, em que as marionetas eram feitas com utensílios, como copos, pedaços de lã, colheres de pau, fios, bolas de pingue-pongue, tudo muito simples. Uma mão segurava o centro do boneco e a outra manipulava as mãos dele. Manipulávamos os bonecos de pé, 45 minutos com os braços para cima e a projectar a voz. Era esgotante, mas muito divertido. Trabalhar com marionetas é fascinante, porque a criação começa por ser de nós para o boneco, mas quando este começa a ganhar vida é ele que nos inspira, que sugere outros movimentos. Vou fazer a dobragem de um filme de desenhos animados e estou muito curiosa, porque há esta troca em que não se sabe quem é que está a criar. Que voz é que se faz? Não se sabe. Vai-se ganhando a consciência de como o boneco fala, de como se mexe, e tudo isso observado é que nos dá o comportamento, a voz. Às tantas, não se sabe quem é que está a criar, são duas pessoas, mas não há duas pessoas! E isso é incrível.

Também passou pelo cinema e fez o filme ‘I’ll see you in my dreams’.

Foi lindo, nunca mais vou fazer nada daquele género. Ensaiámos na floresta de Tondela, durante uma semana, sempre de madrugada, e depois filmámos em nove dias. A caracterização durava cerca de quatro horas. A minha cruz era gritar o filme todo, o que era muito difícil, porque o fazia de madrugada, com temperaturas de 4º ou 5º C. Nunca tive problemas na voz, porque descansava muito e dormia bem, além de beber muito leite quente com mel. Mas os zombies eram realmente assustadores. Tinham uma baba nojenta com muito mau aspecto, que era dentrífico com chocolate. Aquela baba a cair-me para o ombro dava mesmo vontade de gritar. Foi das coisas mais fáceis que tive de fazer, porque não era necessário nenhum exercício de concentração, nem de imaginação. Mas não podia falhar nada. Como não havia muito dinheiro, se falhasse um plano, não se podia repetir. Isto dá-nos outra exigência, está-se mais atento, ninguém quer que aquilo fique inacabado porque é o nosso trabalho que ali está.

Tem preferência por alguma área?

Às vezes, desatino um bocado com o conceito ‘sou uma actriz de teatro, sou uma actriz de cinema...’ Sou fundamentalmente de teatro, porque é o que fiz mais, mas o meu maior fascínio é o cinema, porque tem aquela coisa de ser aos bocadinhos. Uma cena de três minutos é feita inúmeras vezes, e como é que se consegue segurar essa energia? Porque uma coisa é fazer tudo muito bem à primeira e outra, à décima terceira.

O que é para si um dia perfeito?

Não há dias perfeitos...

E os seus prazeres?

Um dos meus prazeres é o trabalho. Também gosto de ir à praia, mas como estou numa fase em que não posso ir, não perco tempo a pensar nisso. Tenho a felicidade de trabalhar naquilo de que gosto e no que quero. E quando me desmarcam um ensaio fico fula da vida: ‘O que faço à minha tarde toda?’

Mas não pensa em alternativas? Em ler, por exemplo?

Claro, mas não imagina a quantidade de palavras que entram na minha cabeça todos os dias. Estou a ler o ‘Palácio da Lua’ do Paul Auster, há dois meses e não consigo acabar porque entretanto tenho uma peça para ler, 15 cenas para decorar, episódios para ler e outras coisas. Não sobra espaço mental para muito mais. Há dias, comprei uma edição nova do D. Quixote, com ilustrações do Dalí, comecei a ler, mas não dá. Estou sempre a pensar no que ainda tenho para fazer. Não tenho, neste momento, a calma necessária para me deitar na minha rede e ler.

O que gosta de fazer quando não está a fazer nada?

Gosto de tratar do meu jardim, que está um caos. Nem sequer tenho tempo para regar. É a minha mãe que o rega. Mas não me queixo, porque gosto muito de trabalhar.

O que é que a irrita?

Não ter nada que fazer [risos]. A hipocrisia em que se vive e que tenho que partilhar por contingências da minha profissão. Em sociedade, é um bocado mais fácil não precisar de entrar nesse jogo, porque as pessoas não têm poder ou influência sobre a nossa vida pessoal. No trabalho nunca se sabe quem é que pode ser influente sobre a nossa carreira, por isso tem-se mesmo que entrar num jogo cínico e hipócrita, do qual também faço parte. Apesar de tentar não perder o fio à meada, e acho que as pessoas têm que ter personalidade e espinha dorsal, sei que tenho de ser um bocado maleável. Também me irritam os falsos conceitos sobre os actores, quem é actor, a maneira de estar, como é que se tem de ser. Disseram-me uma coisa horrível sobre isso: ‘Tu tens tudo, só te falta ter o nariz um bocado mais empinado.’ Angustia-me o Ter de passar por isso. Também não gosto de ser conhecida, de entrar num restaurante e as pessoas cochicharem, não gosto de dar entrevistas, de tirar fotografias, mas não vou deixar de ser actriz por causa disso.

Mas anda de transportes públicos. Está mais exposta...

Há dias em que ponho a minha ‘expressão 35’, óculos escuros e não ligo nada. Normalmente as pessoas não me chateiam, mas há umas que me olham de alto a baixo e me comparam com a personagem. Na telenovela ando mais arranjada, uso outra roupa, e as pessoas pensam que sou sempre assim. Na novela uso umas próteses para ficar com o peito maior e no outro dia uma senhora disse-me: ‘É a menina que faz aquela novela, mas na televisão não parecia tão...’ E eu disse ‘parecia mais mulher...’ ‘Não queria dizer, mas é isso mesmo.’ Não ligo muito, até porque é o lado mais fútil desta profissão, mas há dias em que não estamos bem, porque somos pessoas normais, e às vezes acordamos maldispostos, temos um problema para resolver e há uma pessoa a olhar para nós e a franzir o nariz. Apetece-me mandá-la à praia, tomar um banho de água fria, mas não posso, porque dizem logo que já nos estamos a armar em estrelas, com manias. Se esta profissão não fosse por paixão, não aguentava três meses, porque os contras são muitos e há muitas coisas desagradáveis. Vivia mais tranquila quando só fazia teatro e só o público de teatro me reconhecia, às vezes, só pela voz. Uma vez estava numa festa a falar com um amigo e uma rapariga virou-se para mim e disse ‘Ivete!’, que era a prostituta que eu fazia na ‘Mãe Coragem’. Foi das melhores coisas que me aconteceram.

O que é que a deixa feliz?

Trabalhar. Ter amigos, família e namorado é bom, mas ter trabalho deixa-me muito bem, porque já estive sem trabalho e foi muito mau. Ter saúde e amigos é muito importante, e isso sempre tive. Os namorados são efémeros, hoje está-se bem, amanhã mal, não interessa nada.

Também interpreta papéis no seu dia-a-dia?

Às vezes preciso de fazer um exercício de concentração para me controlar, mas isso não significa que esteja a fazer outro papel. Sou eu, mas mais calma. Também não sou de sorriso fácil, percebe-se logo quando estou mal e se a pessoa for esperta dá meia volta e recua. A nível profissional é diferente, porque estão outras coisas em jogo. Mas se vou no barco e alguém me incomoda, faço a cara do ‘põe-te a milhas’. Se me continuam a chatear, tenho pouca paciência. Mas as pessoas percebem isso, porque apanho o barco todos os dias e nunca ninguém me incomodou. Mesmo quando fazia a Rita, que era uma personagem intragável, nunca chegaram ao ponto de me confundirem com a personagem, porque as pessoas também não são parvas. Gosto de estar bem e o meu conceito de conforto e de estar bem é um bocado diferente do que se consome. Se vou no barco e me doem os pés porque tenho uns sapatos novos, tiro os sapatos, estou a borrifar-me para aquilo que os outros pensam.

Tem rotinas?

De manhã faço um café, fumo um cigarro, ponho música e tomo um banho. Devido à peça já não tenho a rotina do fim do dia, de chegar a casa, pôr música, arregaçar as calças e regar o jardim.

O que é que gosta de ouvir?

Tenho ouvido Nellie McKay, Morcheeba, e também alguma música electrónica. Ouço muita coisa diferente. Tenho alturas em que compro um CD e oiço-o até à exaustão.

Qual foi o melhor conselho que lhe deram?

Foi não seguir conselhos [risos]. O melhor foi da minha primeira professora de teatro, a Luísa Cruz, e que é ‘quando nos pedem uma coisa, nunca dizer não consigo, dizer sempre vou tentar’. E é uma atitude que mantenho até hoje. Mesmo sendo difícil, nunca digo que não. Tudo o que posso prometer é que vou tentar. Acho que é o conselho mais antigo que eu sigo.



A actriz que dispensa apresentações!
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